Glória a São Benedito

Santo negro recebe homenagens dos angrenses em sua data no município.

Terça-Feira, 14/04/2009 | .

 A segunda-feira em Angra dos Reis foi marcada por homenagens ao “glorioso São Benedito”, que é considerado o segundo padroeiro da cidade, já que a padroeira oficial é Nossa Senhora da Conceição. Como nos outros anos, a data, feriado municipal, foi festejada por moradores e turistas pelas ruas da cidade, enfeitadas com bandeiras e flâmulas. Milhares de pessoas participaram, demonstraram sua fé na procissão, nas missa, shows e confraternizações.

 Como manda a tradição, um casal foi eleito para rei e rainha da festa. Desta vez, os papéis ficaram por conta de Kelington Luís de Moraes e Kely dos Santos. A festa de São Benedito tem suas origens na escravidão, e na época, os escravos escolhiam um casal, dentre eles, para para assumir o nobre título. Outra tradição é a escolha dos festeiros, escolhidos entre pessoas de muita devoção para ajudar na organização das festividades. Desta vez, os festeiros foram o prefeito Tuca Jordão e a primeira-dama Alessandra Jordão, que participaram de todos os eventos. A tradição dos festeiros havia sido deixada de lado por muitos anos, mas foi resgatada em 1997 pela Irmandade do Glorioso São Benedito, organizadora da festa.     

 – É uma alegria muito grande, uma emoção única, porque eu sou católico, meu pai faz parte da irmandade, e agora, como festeiro, eu passo a fazer parte dela também. Além da religiosidade, tem a questão cultural, a festa é uma tradição de mais de 350 anos em nossa cidade e das mais populares. Aqui não tem classes, não tem cor. Basta lembrar que estamos todos aqui reunidos para homenagear um santo negro – disse o prefeito.

ENTREGA DAS INSÍGNIAS
 A celebração que marcou a entrega das insígnias foi realizada no Domingo de Páscoa, dia 12, na Igreja de Santa Luzia, localizada na Rua do Comércio. As insígnias foram entregues aos festeiros, ao rei e rainha, aos novos membros da Irmandade de São Benedito e demais homenageados. O prefeito e a primeira-dama receberam os diplomas, bastão e fita da irmandade, tornando-se os  festeiros de 2009 e novos membros. O jovem casal Kelington e Kely recebeu a coroa e o bastão do rei e rainha do ano passado. Os novos membros da irmandade foram recepcionados e condecorados, dentre eles, o presidente da Fundação de Cultura de Angra dos Reis (Cultuar), Mário Luiz dos Anjos, e o jornalista Robson Luís. O menino Douglas Silva, novo membro da irmandade, deu um testemunho emocionado sobre sua recuperação de uma delicada cirurgia no coração. O diácono Gilberto dos Santos, da Paróquia Santíssima Trindade, conduziu a cerimônia. Ao final, o andor com a estátua de São Benedito foi abençoado e levado até a igreja do Carmo, onde seria preparado para a procissão do dia seguinte, o dia do santo.

ALVORADA
 As homenagens ao “glorioso São Benedito” começaram às 5h30 com uma alvorada no bairro São Bento, com o prefeito e a primeira-dama já presentes. Com as ruas ainda vazias e o sol nascendo, a congada de São Benedito, representada pelo grupo angrense de música folclórica Luz Divina, dava seus primeiros acordes e batidas percussivas. O grupo se alternava na trilha sonora do cortejo com a banda da Defesa Civil de Angra. Do São Bento, todos foram para o cais Santa Luzia, atraindo seguidores por onde passavam. Resgatando tradições folclóricas, figuras da Festa do Divino Espírito Santo, como a Vaca Malhada, a Burrinha e o Bate-Moleque animavam o público. Chegando ao cais, o grupo se uniu a duas congadas vindas de Guaratinguetá (SP). Vestidos com roupas típicas, os grupos animaram o cais e evoluíram com seus bastões, representando o treinamento dos antigos soldados antes das batalhas. Todos se confraternizaram em um café-da-manhã servido no cais. O provedor da festa, Carlindo Antônio da Costa, agradeceu a todos e pediu uma corrente de oração.

MISSA CAMPAL
 A missa foi celebrada no cais de Santa Luzia e começou às 10h30 com a chegada das congadas, do rei e rainha, do prefeito e da primeira-dama como o casal festeiro, além dos membros da Irmandade de São Benedito, que carregavam o andor do santo. A banda da Defesa Civil iniciou a cerimônia com a execução do Hino Nacional. A missa foi celebrada pelo padre Gilberto, juntamente com os padres Ubiratan e Luís Carlos. Centenas de pessoas acompanharam com cânticos de louvor e orações. Muitos se emocionaram.  Houve distribuição de pães, lembranças da ocasião e doações de cestas básicas. Do alto do palco, transformado em altar, o prefeito Tuca recitou uma poesia em homenagem ao santo negro, escrita pelo ex-combatente Remo Baral Filho. Depois do fim da missa, foi servido um almoço para todos os fiéis, com direito a apresentação do saxofonista Brais Oss e a banda da Canção Nova.

PROCISSÃO
 O grande momento da festa teve início às 17h. Todo o público se reuniu nos arredores da igreja do Carmo para o começo da procissão. Da igreja, saíram a estátua de São Benedito, além das de outros santos católicos como Nossa Senhora Aparecida, São Francisco de Assis etc. Com a chegada de Don José Ubiratan Lopes, bispo da Diocese de Itaguaí, a qual pertence Angra dos Reis, o povo começou o trajeto, conduzindo os andores pelas ruas antigas da cidade, atraindo mais e mais fiéis, que chegaram aos milhares. O bispo iniciou as orações do terço, pedindo a paz no mundo e o bem da cidade, “para que Angra continue sendo esta cidade turística acolhedora, amada por todos nós e conhecida em todo o Brasil”, disse ele. Em um momento, a cantora Elaine Ribeiro, da Canção Nova, também comandou as orações. Da janela de suas casas, muitas pessoas jogavam pétalas de rosas no andor do santo negro, protagonizando algumas das mais belas imagens da procissão. A Ordem Terceira do Carmo também participou, juntamente com a Irmandade de São Benedito, que conduzia o povo. A chuva chegou a apertar da metade para o fim, mas não desanimou os fiéis. Na volta para a igreja do Carmo, que representava o fim da procissão, a Praça General Osório ficou toda iluminada com cascatas de fogos de artifício e mensagens de agradecimento escritas pela irmandade. Uma grande queima de fogos marcou o fim da procissão, mas a noite de festa ainda prosseguiria.

SHOW DE LOUVOR
 E prosseguiu com um louvor no cais de Santa Luzia comandado pela cantora Eliane Ribeiro, juntamente com a banda da Canção Nova. O palco, que durante a manhã havia servido de altar para a missa campal, à noite recebeu  os músicos e o som pop com mensagens de fé. Apesar da chuva, o público não desanimou e em pouco tempo uma platéia coberta por sombrinhas e guarda-chuvas estava formada. Como nas noites anteriores, o público pôde aproveitar a quermesse montada no Aterro do Carmo. Centenas de barracas com comidas, bebidas, roupas, brinquedos e diversos outros artigos, que incrementaram as festividades da Semana Santa angrense, receberam um grande público na última noite da festa. 

HISTÓRIA
 Algumas versões dizem que São Benedito nasceu na Sicília, sul da Itália, em 1524, vindo de família pobre e descendente de escravos oriundos da Etiópia. Outras versões dizem que ele era um escravo capturado no norte da África. Foi pastor de ovelhas, lavrador e cozinheiro do convento dos Capuchinhos, chegando a ser eleito membro superior do mosteiro. Seus irmãos o consideravam iluminado pelo Espírito Santo, pois fazia muitas profecias. São Benedito morreu aos 65 anos, no dia 4 de abril de 1589, em Palermo, na Itália.

 Em Angra, a devoção a São Benedito começou no século XVII, no antigo convento São Bernardino de Sena, estimulada principalmente por ele ser um santo negro. Na época, foi fundada a Irmandade de São Benedito (1652), que organiza a festa todos os anos. Inicialmente a Irmandade era composta por negros. Era costume a irmandade comprar a carta de alforria para um escravo com o dinheiro arrecadado na festa. O escravo que seria libertado era escolhido no final dos festejos por meio de sorteio. Sorteado, o escravo era libertado através da carta adquirida pela mesa administrativa da irmandade.

 Ao contrário de outras cidades, que comemoram São Benedito no dia 4 de abril, em Angra dos Reis a festa acontece sempre na segunda-feira após a Semana Santa. A data de realização dos festejos em Angra também está ligada à escravidão. Os senhores de escravos da época moravam em fazendas nos arredores onde os negros cultivavam a terra e trabalhavam nos engenhos. Esses senhores possuíam casas na cidade, que usavam quando tinham que resolver algum negócio, tratar de alguma enfermidade ou assistir às festas religiosas, como é o caso da Semana Santa. Aproveitando-se da situação em que os senhores estavam envolvidos e suas atividades religiosas, os negros transferiram a festa para a primeira segunda-feira após a Páscoa.

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